quarta-feira, junho 10, 2015

Sexo e amor no smartphone


Você percebe que é um homem romântico quando se apaixona por uma mulher em quem nunca tocou, mas com quem fez sexo pelo telefone duas vezes.

Aquilo que para outros seria apenas um exercício de libido ou uma descarga de luxúria, para o homem romântico se torna uma descoberta emocional, capaz de criar um laço afetivo.

A percepção não é minha. Veio de um conhecido meu que descobriu, aos 40 anos, que é possível fazer sexo de qualidade – e com enorme intensidade – usando o WhatsApp. Ele no trabalho e a moça no aconchego do quarto dela.

A experiência foi tão marcante que ele agora tem um único temor: desapontá-la no encontro em carne e osso, frustrar-se (e frustrá-la) com o corpo real, não imaginário.

À margem dessa dúvida, os sentimentos prosperam.

Ele diz que gosta do jeito da moça. Ri com a inteligência e o descaramento dela. Adora a forma direta como ela fala de sentimentos e da vida. Sendo tímido, ele se encanta com a desenvoltura dos outros. Vai descobrindo, aos poucos, que por trás da sem-vergonhice dela existem emoções tão complexas quanto as dele, embora diferentes.

Não é o tipo de mulher com quem ele está acostumado e isso o assusta um pouco. Mas ele está interessado, ansioso, enamorado. Acha que se o encontro na vida real for um sucesso, ele vai casar e ter filhos com a mulher do smartphone. Eu acredito que é possível. Acredito nos românticos.

A história do amigo e minha observação sugerem que os sentimentos humanos são invencíveis. Qualquer situação pode ser transformada em romance, quando os corações se dispõem a isso.

Há muita gente reclamando sobre a dissolução dos costumes. Virou mantra conservador. Dizem que se tornou fácil demais levar alguém para a cama e transar. Acham que o sexo foi banalizado. Se faz até ao telefone. Não percebem, entretanto, que a sensibilidade essencial sobre o assunto não mudou.


As pessoas tiram a roupa e se apaixonam. Fazem sexo com gente que mal conhecem e se envolvem. Transam por telefone e sonham se casar. Dormem com um na segunda e com outro na quinta, mas amam uma terceira pessoa. As pessoas são românticas. Exasperadamente românticas. Mesmo quando dissolutas.

Existe uma lei da atração, em tudo semelhante à lei da gravidade, que nos empurra emocionalmente na direção de quem toca os nossos sentimentos.

Faremos sexo ao vivo e no smartphone, transaremos com um monte de gente, ouviremos extasiados as aventuras sexuais pregressas dos parceiros - cada vez menos ortodoxas - e, ainda assim, sobretudo assim, nutriremos sentimentos apaixonados e únicos.

A liberdade não destruiu o romantismo, pelo contrário. Deu a ele uma base de exploração e comparação. A liberdade pôs asas nos nossos sentimentos. Talvez agora, depois de milênios, possamos diferenciar sexo de amor. Agora, que não precisamos mais fingir que um é igual ao outro.

Ou então, do contrário, faremos de todo sexo uma forma de amor, porque isso também é possível. Depende da sensibilidade e da liberdade interior de cada um.

Assim, meu amigo romântico talvez não seja diferente do resto de nós.

Em meio à anarquia do desejo, ele enxerga uma relação. Quer transformar a amante digital em mulher de carne e osso, quem sabe esposa e mãe. Sonha, furiosamente, na mesma direção em que fluem seus hormônios. O corpo que ele quer tocar tem nome, sotaque, sensibilidade, humor e personalidade. O sexo a que ele aspira não é banal nem fácil, embora possa ser gostosamente vulgar.

Ele quer algo raro e único, absolutamente intransferível. Ao contrário do que pensam os conservadores, chegar a isso não é fácil. Custou a ele 40 anos, e milênios à humanidade.

IVAN MARTINS - ÉPOCA

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