quarta-feira, maio 28, 2014

UMA VIAGEM INESPERADA


Quando eu pensava, absorto, no desapertar do nó branco em teu peito, ouvi o apitar do trem.

A linha, afinal, não fora desativada.

As bolas de fumo branco ensombravam a folhagem verde-verão e dourada quase outono.

Uma locomotiva azul surgia, misteriosamente, na curva ao longe.

Aproximava-se agora ameaçadora como búfalo desgovernado em minha direção.

Parecia vir sem maquinista como comboio fantasma.

Ao afastar-me da linha tropecei num galho seco e caí de costas.

Pasmado, vi-te a acenar, aflita, gritos surdos, como que raptada...

Não sei se foi o reflexo em movimento do arvoredo nos vidros da primeira carruagem, onde vinhas, que me fez parecer.

Que fazias ali àquela hora, naquele lugar aprazível, antes silencioso, sobre carris “desativados”?!

O elefante de ferro azul foi afrouxando a marcha até parar na próxima curva.

Corri esbaforido na ânsia de o alcançar.

O fumo dissipou-se, voltou o silêncio.

Só os meus passos amedrontados se ouviam naquele cenário qual filme Twin Peaks.

Mais devagar, aproximei-me da carruagem onde ias.

O tempo parecia ter parado no próprio tempo.

Os pássaros não cantavam, a folhagem não bulia, nem brisa, quietude...

A carruagem, madeira envernizada, seduzia-me e convidava-me a entrar.

Não te vi de imediato.

Estavas só, sentada em banco de veludo e sorriste para mim.

Sorriso garoto, atrevido.

Vestias uma calça fina da cor do vinho, uma camisa de seda floral nos tons de rosa e um casaco preto – este distendido a teu lado.

E um lindo cachecol de seda também da cor de vinho.

Aquilo que eu antes pensava seres tu a acenar, aflita, não era mais do que o despir do macacão azul que usaste para trabalhar na condução do trem.

Vieste ter comigo, desapertaste o nó branco e vi, por fim, o teu silêncio...

Vestiste o fato de maquinista, tiraste do malote um outro macacão para mim, deste-me a mão e puxaste-me para a locomotiva azul.

Vi-me de repente de pá na mão a alimentar a fornalha de carvão.

Ao limpares a testa num trejeito gracioso, ficaste enfarruscada.

E, com um assobio e o puxar do cordão do apito, davas sinal de partida à nossa viagem de um amor intemporal!...



Cesário Guedes da Costa


 

Neli Souza

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