segunda-feira, julho 07, 2014

DÉJÀ VU


O joelho foi o grande protagonista da vitória brasileira de 2 a1 sobre a Colômbia nas quartas-de-final na última sexta (4/7): o joelho do primeiro gol de Thiago Silva, o pênalti de Julio César ao tocar no joelho de James, e a joelhada criminosa de Zuñiga nas costas em Neymar.

O joelho, habitual coadjuvante dos pés e das mãos, que apenas serve para o domínio e controle da bola, teve seu dia decisivo na Copa do Mundo.

Inesperado, imprevisível, mandou no destino da partida, para o bem e para o mal.

Mas o que gostaria de comentar era sobre a pintura do segundo gol do Brasil, que me despertou um déjà vu fortíssimo.

A patada de David Luiz no ângulo de Ospina puxou uma sensação inexplicável da memória.

Não era decorrente da perícia da cobrança ou da similitude do canhão com outros em nosso passado (Éder, Roberto Carlos, Nelinho, Dirceu Lopes, Dinamite, Rivelino).

Percebi que a nostalgia partia da comemoração do zagueiro.

O encanto vinha de sua vibração.

 David Luiz comemorou o gol igualzinho ao Falcão na Copa da Espanha, em 1982.

Aquele gol em cima da Itália do volante brasileiro, que acabou por não garantir a vitória de toda uma geração, recebeu uma releitura generosa de David Luiz.

Uma segunda chance.

Uma vingança.


É o mesmo gol desabafo.

O mesmo gol catarse.

David e Falcão estão com os punhos cerrados, as veias saltadas, a comoção furiosa.

Os cabelos cacheados buscam em vão correr atrás do rosto, aparecem esticados ao fundo da cabeça, como uma auréola de guerreiros, a coroa da obstinação.

São anjos endemoniados.

Ambos soltam idêntico grito surdo, um urro selvagem, um brado que não é nenhuma palavra e todas ao mesmo tempo, que é medo e glória, que alívio e raiva.

Os dois partilham um estado de transe, de possessão da alegria, de loucura alcançada.

Não é o gesto para torcida: o reconhecido soco no ar, a coreografia de uma dança do momento ou as palmas para cima em agradecimento divino.

É um gol destinado aos colegas, feito para despertar a mobilização sanguínea dentro do campo, para espantar o fantasma da derrota.

Um gol confidência, um gol amizade, um gol confiança.

Os olhos estalados desafiam o tempo: está vendo do que somos capazes?

David Luiz ressuscitou a comovida garra de Falcão.


Fabrício Carpinejar Fabrício Carpinejar

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