sábado, setembro 28, 2013

“Meu rim vai amar você"

(Reginaldo e Tathyana com as filhas Mariana e Giulia blusa azul)

Giulia tem 15 anos e mora em Espírito Santo do Pinhal, no interior de São Paulo. Há poucos meses, ela perguntava numa rede social o que seria uma verdadeira prova de amor. “Uma serenata na varanda? Um poema? Uma canção? Um salto de paraquedas?”.

Perguntou, mas já estava certa da resposta: “A maior prova de amor é um rim. O rim que a minha mãe, incrivelmente compatível com meu pai, ofereceu por conta própria para salvar a vida dele”. Giulia é filha de Tathyana Franceschi, 34 anos, e Reginaldo Tessarini, 43.

Apesar de ser jovem e fisicamente ativo (costumava correr oito quilômetros por dia), Reginaldo tinha hipertensão e não sabia. Sem dar sinais, ela destruiu um rim. Foram oito anos de tratamento para tentar poupar o órgão, mas a doença renal avançou. Em 2012, vieram as sessões de hemodiálise. Durante oito meses, três vezes por semana, o sangue era filtrado por quatro horas.

Tathyana não suportava ver o sofrimento do marido. “Os outros pacientes diziam que a vida dele seria fazer hemodiálise para sempre”, diz. O marido voltava abatido para casa. Com curativos sobre cada nova punção. Emocionalmente arrasado. “Ele nem percebia o quanto estava se tornando uma pessoa triste e fechada.”

Por causa da doença, o consumo de líquidos precisou ser drasticamente reduzido. Mesmo no verão, no calor intenso do interior paulista, os copos de água eram racionados. Reginaldo podia beber no máximo meio litro de água por dia – já incluídos líquidos presentes nos alimentos.

Em novembro do ano passado, ele foi inscrito na fila de transplante. Tathyana tinha uma ideia fixa: se não surgisse um órgão de cadáver rapidamente, ela doaria um rim ao marido. É uma prova de altruísmo, mas também um sinal da incapacidade do Brasil de convencer as famílias a doar os órgãos de quem sofre morte cerebral.

Faz sentido submeter uma pessoa jovem e saudável como Tathyana, mãe de duas adolescentes, aos riscos de uma cirurgia complexa para socorrer o marido que poderia ser salvo por um cadáver? Não faz nenhum sentido, mas essa tem sido a única chance de muitos pacientes em estado grave.

Nesta semana, o Ministério da Saúde anunciou que a recusa familiar diante da possibilidade de doar órgãos de um familiar morto caiu de 80% para 45% nos últimos dez anos. É razão para comemorar, mas o índice continua elevado. Na Espanha, país que dispõe de um sistema de captação e transplante de órgãos bastante eficiente, apenas 15% das famílias se recusam a doar.

A Espanha investe num modelo bastante organizado de contato com as famílias de possíveis doadores e manutenção adequada dos órgãos. A lei também ajuda. Qualquer paciente com morte cerebral, se não tiver se manifestado contrário em vida, é considerado um doador em potencial. A autorização de familiares é dispensada.

A lista de espera por um rim no Brasil é a que concentra o maior número de pessoas. Em junho de 2013, havia 19.913 pacientes na fila desse órgão, segundo o Registro Brasileiro de Transplantes. Em São Paulo, eram 8.873 pessoas em sofrimento semelhante ao de Reginaldo.

Para muitas delas, a única chance é buscar um doador compatível na própria família. É uma loteria e, como toda loteria, a maioria não é premiada. Encontrar um cônjuge compatível é ainda mais difícil. No ano passado, 196 brasileiros receberam um rim doado pelo parceiro.

Reginaldo tirou a sorte grande. Os exames demonstraram que ele e Tathyana eram biologicamente mais compatíveis que muitos irmãos. Na avaliação de compatibilidade de tecidos são analisadas seis identidades genéticas. De seis possíveis, Reginaldo e Tathyana têm duas em comum. Muitos irmãos não têm nenhuma.

Tathyana tinha a intuição de que o órgão dela se adaptaria perfeitamente ao corpo do marido. “Meu rim vai amar você do mesmo jeito que eu te amo”, disse no hospital, pouco antes da cirurgia.

E assim foi. Um dia depois do transplante bem-sucedido, o médico disse que dali em diante ele poderia voltar a beber água. Reginaldo chorou. “Ninguém sabe o que é a vida sem poder beber água. Eu sei”, afirma. A recuperação de Tathyana demorou mais. “Quem doa sente mais dor do que quem recebe, mas a satisfação de vê-lo bebendo água era maior que a dor.”

Quase seis meses depois do transplante, o rim que restou no corpo de Tathyana trabalha por dois – e muito bem. O outro, doado a Reginaldo, funciona como se sempre tivesse sido dele. Órgãos mudaram de lugar, sentimentos foram revirados. Só não mudou aquilo que a família considera essencial. “Sem a fé, não teríamos tido serenidade para enfrentar tudo isso e acreditar que daria certo”, diz Tathyana. Apoiadas sobre a mesinha da sala, Santa Terezinha e Nossa Senhora da Rosa Mística estão lá para o que der e vier.


Cristiane Segato



Bom Dia,

Tudo na vida tem um motivo...

Encontrei este relato por acaso, mas será por acaso mesmo?

Meu irmão faleceu por perder os rins por conta da pressão alta, ele se negou a fazer transplante e foi respeitado...

Lutou durante 10 anos de hemodiálise, mesmo assim era uma pessoa feliz e rebelde com sua saúde...

Um dia, quando toda essa história estava tirando a felicidade dele, resolveu desistir e partiu...

Errado ou certo, julgar, nunca...

Beijos...



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