quarta-feira, dezembro 05, 2012

Terra Seca (trechos)



Um pássaro cujo peito amarelo faz com suas asas azuis
O contraste mais belo, no dia ainda sem luz, batendo na vidraça,
Levemente acordou-me: a noite bebera-me longamente
E estava adormecido; pela janela úmida, a fulva fumaça
Escorria; triste amanhecer esquecido, o que houve contigo?

Onde estás, manhã do meu dia?

Não vejo o povo nas ruas;
Os ônibus seguem o seu percurso absolutamente vazios;
As rádios não dão seus diários boletins matinais.
Não veio o jornaleiro,
Nem o leiteiro,
Nem o jardineiro,
Para podar os jardins extraordinários que nossa casa possui
E tantas outras coisas que não precisamos mais...

Chegou o dia negro!
Este é o dia em que a noite permanecerá noite!
Muito bem, preparemos a mesa: o jantar hoje será à luz de velas!
E depois poderemos ir aos jardins queimar os fogos,
Que na escuridão da noite brilharão com mais intensidade...
Convide seus amigos, disse-me ela, está é a hora da Verdade!

Nessa vala fétida; nesse charco de sangue que meus olhos encharcaram,
Nessa poça de odor putrefato, levado pelo vento, sentada a uma das margens,
As mãos nos joelhos, a cabeça entre as mãos, cantarolava Bela a louca:

Aqui os mortos deixam seus ossos!
E os ratos vêm para roê-los, Até que no meio dos destroços
Sobrem apenas as unhas e os cabelos!

A terra em ruínas: o deserto de pedra alastra-se pelo campo verdejante,
E no leito dos rios os rios não dormem mais como dormiam antes,
Não descem mais das colinas...vem, Bela, que diante de tanto terrorismo,
O Vale da Morte será o abismo onde faremos nossa cama.

Bela, o Vale da Morte será para nós um lindo vale,
Com os anjos na entrada tocando harpas douradas,
E a imensidão verde se descortinando para meus olhos castanhos;
Havia pérolas em meus olhos?
Lembro de ter pensado que seriam tão pesadas tuas asas,
Para ti, que tens esse corpo tão magro e delicado,
Tão presente e, ao mesmo tempo, tão difícil de ser tocado;
Ah, como ousaria continuar?

Se ousasse seria eu um mar de revoltosas vagas
No revoltoso mar do teu cérebro.

E não estaria agora sozinho nesse quarto escuro,
Deitado sobre esse catre imundo,
Contando os ratos que passam por mim;

Estaria agora esfregando-me na terra cinzenta,
Sentindo o perfume das fragrâncias que exalas,
Mais doce que o cheiro exalado das valas
Onde às vezes, a chorar, tu sentas...


Paulo Fichtner - Noblat





maria tereza cichelli

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