quarta-feira, janeiro 11, 2017

O trabalho que (não) dá ser gente-metade


Tenho uma espécie de admiração e desprezo - tudo meio junto - por quem consegue ser "gente-metade".

Gente-metade põe o pé no mar na pontinha dos dedos, só para ver se água está fria.

Se estiver, geralmente, prefere o chuveiro.

Para essa gente, até o mar lhes causa aflição.

Tudo o que é grande lhes amedronta.

Do mar à gente.

Gente-metade não faz distinção.

Quando chove, muito insiste em acreditar que debaixo daquela parafernália pequena e inútil, nenhuma gota d'água lhe atingirá.

Brigam com os fatos como quem determina com poder os acontecimentos.

Gente-metade sente dor por etapas.

Primeiro sente pouquinho, depois diz o que sente aos pouquinhos e depois sente muito mais do que diz, aos pouquinhos.

Gente-metade tem um privilégio: já nasce pronta.

Gente inteira, não.

Gente inteira é sempre quase inteira.

Quase pronta.

Gente inteira está sempre buscando se inteirar.

Gente inteira está sempre em construção.

Gente inteira precisa sempre de mais obras para se edificar.

Cláudia Dornelles