sábado, novembro 12, 2016

Mas emocionar-se não é uma felicidade?


(...) Comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás, costumam ser raros.

Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à-toa.

É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta.

Qualquer coisa pode servir de motivo.

Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper arrebentou bem na hora de sairmos pra festa.

Que festa, cara-pálida?

Por dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria existencial, isso sim.

Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não.

Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou.

Normal, normalíssimo.

São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo.

Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida?

Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está trabalhando no computador.

De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com um simples palavrão, você faz o quê?

Cai no berreiro. Evidente.

Eu sorrio muito mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem, dizem.

Eu não gosto.

Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem.

Em público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em flagrante delito.

O delito de estar emocionada.

Mas emocionar-se não é uma felicidade?

Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá.

Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi.

É sempre a dor do crescimento.

Martha Medeiros