domingo, junho 26, 2016

Ela não é mais a moça que um dia foi


O frio voltou.

A moça procurou por uma meia-calça nas gavetas, vestiu a primeira que encontrou.

Com ela, veio o cheiro do último outono.

Um óleo para o corpo que usava há um ano atrás.

E com aquela meia em contato com sua pele, o aroma subindo suave até às narinas quando ela se sentou, a moça sentiu a estranheza de se ver conectada à moça que foi.

Primeiro o coração doeu um pouco no ponto da cicatriz, bem na hora em que ela respirou fundo para reconhecer o aroma.

Cheiro de um tempo em que ela tinha mais lágrimas do que vontades.

Depois uma tristeza serena de quem constata a dor de alguém querido, mas nada pode fazer.

Sim, nada podia fazer pela moça que um dia foi.

Não era mais aquela. Mas era.

Estranho. Tudo estranho.

Nem deviam ser mais as mesmas células em contato com o fio de nylon.

Mas suas fibras internas ainda vibravam intensas, mesmo cobertas pelo pó do tempo.

A moça sempre foi de sentir.

Sentir com tudo. Sentir demais.

Era uma dor serena misturada com uma certeza de que aquelas lágrimas do passado já não existiam.

Ela era outra.

E se surgiam, eram lágrimas outras.

Com novos horizontes, novas palpitações, tremores e fomes.

Mesmo que a sensação de falta de rumo estivesse presente nos dois retratos da vida, a de agora era por escolha de se colocar sem rumo.

A moça ansiava por voo.

Ainda que a garganta reclamasse pelo nó, que o estômago se contraísse e se expandisse gelado, ela diria sim.

Nem sabia bem a que.

Mas colocaria o coração cicatrizado de novo na roda.

E aquele cheiro de lembrança, que por um minuto foi conexão com dor, virava agora prova de que ela era capaz de muito, de tanto e até um pouco mais.

Juliana Garcia