domingo, março 27, 2016

O que fizemos do amor?


“Pobres crianças”, é tudo o que digo sobre nós mesmos.

Somos tão bonitos e tão independentes e tão cheios de certezas.
Sabemos tanto sobre o que ainda não foi explicado, pensamos tanto sermos capazes de nos valer nas desgraças que ainda não vivemos, superamos qualquer coisa tão facilmente, ou assim cremos.

Pobrezinhos, nos diz a vida com um soco impiedoso.

Pensamos saber tudo sobre o amor.
De tão estúpidos, até tentamos dominá-lo.
Tentamos mesmo definí-lo – quanta estupidez!
Ele ri pelas nossas costas.
Não precisamos de nada além de nossas taças e de nossos egos gigantescos e de nossos amores efêmeros. Nada nos atinge, pensamos.

A verdade é que estamos todos ferrados.
A verdade, a triste verdade que não contamos nem ao nosso travesseiro – é que só queremos um abraço caloroso depois de um dia difícil.
A verdade é que só queremos alguém que nos compreenda e nos ame, mesmo que um pouco, sem julgar os nossos defeitos inconfessáveis.

A verdade é que queremos que a vida nos trate como nem nós mesmos nos tratamos.
Só queremos um pouco de sentido nessa selva de pedra.
Queremos a simplicidade, é verdade, aquela que de tão pura dispensa floreios.
Nós queremos ser entendidos e queremos entender o outro, mas isso dá trabalho – e não somos uma geração tão dada a tarefas trabalhosas.

Queremos amores tão fáceis quanto escolher um filme na Netflix que nos roube um pouco de toda essa loucura, mas – tolinhos – o amor não é fácil.
E quando falamos de amor estamos falando, na verdade, do que nós fizemos do amor.
Nós depositamos nele todas as nossas merdas – o nosso ego, as nossas fraquezas, a nossa vontade estúpida de manter o controle sobre absolutamente tudo.

Nós conseguimos, o amor está podre.
O amor pediu as contas.
Cansou dessas nossas certezas e da nossa resistência e de toda essa irritante falta de entrega.
O amor está cansado de nossas inseguranças e nos trancou com elas em nosso próprio vazio.
Nós já não sabemos enxergá-lo.

A gente só queria se proteger, é verdade, mas o amor não nos compreende.
E permanece tímido, encurralado, a salvo de toda a nossa podridão egoísta.
Já não podemos alcançá-lo porque – lembra? – nós nos bastamos.

E agora, o que diabos faremos com tanta autossuficiência?

Nathalí Macedo