segunda-feira, novembro 16, 2015

Mar de lama


Faz tempo que a gente se acostumou com ela. Foi entrando na vida diária. Subindo pelas canelas até chegar ao pescoço. Até que ninguém mais achou estranho. A vista ficou complacente. O nariz já não registrou o cheiro ruim. A lama virou mar. O mar virou lama. Não sei. Difícil saber.

Já faz muito tempo que lama é arma retorica. É matéria prima de discursos vazios ditos por gente que, sem se importar com nada, fala qualquer coisa. É arremessada livremente em todas as direções. Sem critério ou mesmo compromisso com a realidade. A lama tingiu a superfície. Igualou a todos. Mas pelo menos ainda ficava somente na metáfora. Não mais.

Depois de anestesiar os sentidos, a lama invadiu o mundo real. Ganhou existência. Virou concreta, tangível, visível a olho nu. Impossível de ser ignorada. Virou mar. Rompeu barragem. Formou tsunami. Destruiu cidades. Poluiu rios. Impactou o ambiente. Matou gente.

A metáfora virou realidade. E a realidade, metáfora. Tudo, agora, é lama. Da mesma cor. Com o mesmo cheiro. Invadindo e dominando a existência. Em mar onde navegam corpos e pensamentos em travessia aparentemente interminável.

Tanta lama não se forma por acaso. Requer esforço (ou falta de). Toma tempo. Vai embrutecendo sentidos, sentimentos e ideias. Vira descaso, desilusão, acomodação, negligencia impunidade. Invade corações e mentes. Corrompe a alma, enfim.

O mar de lama começou na alma de cada um. Sem limpar a alma, não existe futuro possível. Não é o drama presente o mais grave sintoma. A escuridão do futuro assunta mais. A ausência de perspectivas, de objetivos, de sentido para todo este sofrimento. As almas estão, enfim, poluídas, desencantadas.

Antes de tomar a realidade de assalto, a lama invadiu a alma. Apodreceram valores, sonhos, ideias e ideais. Tornou almas desinteressadas, mesquinhas, enlameadas. Pequenas mesmo. E se a alma é pequena, nada vale a pena.

Elton Simões

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