segunda-feira, novembro 02, 2015

Felicidade Clandestina


"Quem nunca roubou não vai me entender.

E quem nunca roubou rosas, então é que jamais poderá me entender.

Eu, em pequena, roubava rosas.

Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins.

Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes.

"Aquele branco é meu."

“Não, eu já disse que os brancos são meus."

"Mas esse não é totalmente branco, tem janelas verdes."

Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando.

Começou assim.

Numa das brincadeiras de "essa casa é minha", paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo.

No fundo via-se o imenso pomar.

E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.

Bem, mas isolada no seu canteiro estava uma rosa apenas entreaberta cor-de-rosa-vivo.

Fiquei feito boba, olhando com admiração aquela rosa altaneira que nem mulher feita ainda não era.

E então aconteceu: do fundo de meu coração, eu queria aquela rosa para mim.

Eu queria, ah como eu queria.

E não havia jeito de obtê-la.

Se o jardineiro estivesse por ali, pediria a rosa, mesmo sabendo que ele nos expulsaria como se expulsam moleques.

Não havia jardineiro à vista, ninguém.

E as janelas, por causa do sol, estavam de venezianas fechadas.

Era uma rua onde não passavam bondes e raro era o carro que aparecia.

No meio do meu silêncio e do silêncio da rosa, havia o meu desejo de possuí-la como coisa só minha.

Eu queria poder pegar nela.

Queria cheirá-la até sentir a vista escura de tanta tonteira de perfume."


Clarice Lispector

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