terça-feira, agosto 11, 2015

O que seria do amarelo...



Minha avó materna era uma pessoa tão do bem que sempre achava alguma qualidade nas pessoas. Quando a gente, adolescente radical, dizia que alguém era horrorosa, lá vinha ela e apontava: Mas ela é tão delicada. Ou “tem os cabelos tão lindos”. Ou “a voz tão bonita”. Isso, claro, irritava. Ela ria e emendava: O que seria do amarelo se todos gostassem do azul?

A frase da vovó era: O que seria do vermelho se todos gostassem do azul? Mas hoje, agosto/2015, se usarmos vermelho x azul, será imediatamente traduzido por petralhas x coxinhas. E você vai apanhar de uns e outros porque disse isso querendo dizer aquilo. Foi subliminar e até debochou da inteligência alheia.

Assim, gostando do azul, lá naquele tempo, vimos vários que optaram pelo amarelo, casaram com aquela mocinha que a gente achava horrorosa, sem qualquer encanto capaz de leva-la ou altar. E, ainda por cima com aquele gato, com quem iríamos muito além das alianças.

O gato preferiu o amarelo (vermelho). E, enquanto a gente dizia “o amor é cego”, a vovó insistia: Feio pra um, bonito pro outro.

O mundo então não era só binário. Depois das primárias vermelho, amarelo e azul havia uma paleta inteira de cores – derivadas das primárias, mas com identidade própria.

Para quem já esqueceu: no universo das cores, as secundárias – laranja, verde e violeta – misturadas resultam em outras muitas tonalidades. Se acrescentarmos as neutras – preto e branco – multiplicamos ainda mais o colorido.

Só pingando preto no branco e vice-versa vamos pra muito além dos agora famosos 50 tons de cinza. E por ai vai. Ou ia.

O mundo, que ficou pequeno nas distancias e nas fronteiras, virou nanico, reducionista. (E meio burro também, vá!) Ninguém pode mais misturar preferências. Somar a porção que você gosta do vermelho com outro bocado do que você aprecia do azul daria violeta na paleta de cores. Na vida real da pau.

Os vermelhos querem seu escalpo porque você mencionou que acha o FHC uma figura interessante. Coxinha! Conservadora, elitista, entreguista, escravagista, puxa-saco de banqueiro!

Os azuis sacam metralhadora Heckler Kock se você ousa manifestar qualquer simpatia por qualquerzinho dos programas sociais dos governos PT. Petralha podre! Defensora de corrupto nojento, ladrão, ignorante, preguiçoso, cachaceiro, assaltante do país.

Mãos ao alto, encurralada, uma multidão de violetas não tem alternativa senão meter-se em um dos dois grupos de ódios. Daí pra frente, sangue nos olhos – e sem nem perguntar qual das bestas começou a pendenga -, deve negar aos urros tudo de bom que azuis ou vermelhos eventualmente fizeram.

(Aliás, os furiosos da internet não usam mais as MAIUSCULAS significando grito, mas exclamações e interrogações duplas? Isso significa urro com baba ou berro com eco?).

Pois então. Em algum lugar da galáxia, deve haver ainda vaga para quem quer ser laranja, verde, violeta ou todos os seus derivados, ai incluídos os neutros preto e branco. Sem carteirinha de nada. Com espaço e respeito à paleta inteira de cores. Como Cecília Meireles, lamento “é uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares.”.

PS.: Pra quem gosta de poesia, os versos para crianças da poeta adulta:

Ou Isto ou Aquilo

Ou se tem chuva e não se tem sol 
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel, 
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão, 
quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa 
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, 
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo. . . 
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo, 
se saio correndo ou fico tranquilo.

Mas não consegui entender ainda 
qual é melhor: se é isto ou aquilo.


Tânia Fusco

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