quarta-feira, outubro 22, 2014

Eu não sou pessimista, sou triste


(...) e do meu terraço, em Recife, rogo a Deus para não perder a fé na humanidade.

E lembro Pessoa em seu desassossego:

" Não me indigno porque a indignação é para os fortes;
 Não me indigno porque a indignação é para os fortes;
não me resigno, porque a resignação é para os nobres;
não me calo, porque o silêncio é para os grandes.

E eu não sou forte, nem nobre, nem grande.

Sofro e sonho.

Queixo-me porque sou fraco e, porque sou artista, entretenho-me a tecer musicais as minhas queixas e a arranjar meus sonhos conforme me parece melhor à minha ideia de os achar belos.

Só lamento o não ser criança, para que pudesse crer nos meus sonhos, o não ser doido para que pudesse afastar da alma de todos os que me cercam, (…)

Tomar o sonho por real, viver demasiado os sonhos deu-me este espinho à rosa falsa de minha sonhada vida: que nem os sonhos me agradam, porque lhes acho defeitos.

Nem com pintar esse vidro de sombras coloridas me oculto o rumor da vida alheia ao meu olhá-la, do outro lado.

Ditosos os fazedores de sistemas pessimistas!

Não só se amparam de ter feito qualquer coisa, como também se alegram do explicado, e se incluem na dor universal.

Eu não me queixo pelo mundo.

Não protesto em nome do universo.

Não sou pessimista.

Sofro e queixo-me, mas não sei se o que há de mal é o sofrimento nem sei se é humano sofrer.

Que me importa saber se isso é certo ou não?

Eu sofro, não sei se merecidamente.

Eu não sou pessimista, sou triste." 

Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. - Fernando Pessoa.

Antonia Lima

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