segunda-feira, abril 11, 2011

Em nova carta, atirador tenta usar bullying para justificar massacre


O Fantástico teve acesso às imagens feitas pela polícia na casa de Wellington na quinta-feira da tragédia. Em meio a muita sujeira, os policiais encontraram uma segunda carta deixada pelo assassino.

Três dias depois do crime que ainda dói no país inteiro, as perguntas são as mesmas do 7 de abril: Por que tanta covardia? Quem era o homem responsável por essa tristeza toda? Veja na reportagem de Sônia Bridi, Tyndaro Menezes, Marcelo Ahmed e Mônica Marques.

Um vídeo de março de 2005 mostra Wellington Menezes de Oliveira no casamento de um parente, posando para a foto, desajeitado, pouco à vontade. Mas havia ali algum sinal da brutalidade assassina? De que seis anos depois o rapaz arrumadinho teria se transformado?

O Fantástico teve acesso às imagens feitas pela polícia na casa de Wellington na quinta-feira da tragédia. Em meio a muita sujeira, os policiais encontraram uma segunda carta deixada pelo assassino.

Nas quatro folhas, obtidas com exclusividade pelo Fantástico, ele distorce a realidade e tenta fugir da responsabilidade do crime bárbaro que cometeu.

Diz a carta: "Quero deixar claro que não sou o responsável por todas as mortes que ocorrerão, embora meus dedos serão responsáveis por puxar o gatilho”.

Outro trecho: "Cada vez que virem alguém se aproveitando da bondade ou da inocência de um ser, lembrem-se que esse tipo de pessoa foi responsável por todas essas mortes, inclusive a minha”.

Ele tenta usar o bullying, a perseguição que diz ter sofrido na escola, para justificar a morte de 12 crianças.

Trecho da carta: "Muitas vezes aconteceu comigo de ser agredido por um grupo, e todos os que estavam por perto debochavam, se divertiam com as humilhações que eu sofria, sem se importar com meus sentimentos".

Wellington cita o menino australiano que, há poucas semanas, revidou a uma agressão na escola. E chama de irmãos dois outros assassinos em série: Chu Seng-hui, que em 2007 matou 32 pessoas na universidade Virgínia Tech, nos Estados Unidos, e o brasileiro Edmar Aparecido Freitas, que em 2003 feriu seis pessoas em uma escola no interior de São Paulo.

“Me parece que ele estava sofrendo de uma doença mental grave que é esquizofrenia, um tipo de psicose. O indivíduo se sente perseguido. Ele elabora ideias de grandeza. Ele veste um personagem. É como se ele fosse fazer uma novela e passasse a achar que ele é aquele personagem que ele está interpretando, e não sai mais do personagem”, explica o psiquiatra Talvane de Moraes.

Mas, afinal, como se construiu esse personagem tão destruidor?

Na quinta-feira (7), ele saiu de casa para voltar à escola da sua infância. Não teria sido coincidência que ele matou principalmente meninas de 13 e 14 anos, idade que Wellington tinha quando estudava na Escola Tasso da Silveira em 2001, na sétima série. A reação de Wellington a uma série de eventos naquele ano mostrava que o então menino já desenvolvia uma mente muito perturbada.

A professora Conceição de Souza se lembra do aluno sentado no fundo da sala: “Não tinha uma participação com a turma, era mais fechado, mas não dava nenhum problema, não apresentava agressividade”.

“Andava com uma calça aqui no alto, um sapato com a meia no meio da canela e a blusa por dentro e uma pasta embaixo do braço. Não era nem mochila, como criança anda normal”, conta a estudante Virna Pereira.

Fantástico: Parecia que ele tinha algum problema?
Ícaro Benício, estudante: Ele tinha um mundo só dele, vivia em um mundo só dele.

Fantástico: Algumas pessoas disseram que ele era maltratado na escola, que jogaram dentro de uma lata de lixo. É verdade isso?
Wesley Yamasaki, empresário: Pegaram ele de cabeça para baixo, botaram dentro da privada e deram descarga. Algumas pessoas instigavam as meninas: "vai lá, mexe com ele." Ou até incentivo delas mesmo: "Vamos brincar com ele, vamos sacanear”.

Fantástico: As meninas tocavam nele?
Wesley Yamasaki, empresário: Tocavam. Passavam a mão nele e tudo mais.

Bruno Linhares, operador de telemarketing: Tentavam assediar ele: "vem cá, bota a mão aqui".

Wesley Yamasaki, empresário: Ele ficava todo acuado.

Ícaro Benício, estudante: Eu acho até que a gente tem uma parcela de culpa, às vezes, por ter ridicularizado ele.

Josemar Teles, vendedor: Não culpa no que ele fez. O que ele fez não tem explicação. Tudo que aconteceu na vida dele não justifica.

Ícaro Benício, estudante: Mas tem uma culpa desse passado dele.

Milhões de crianças sofrem bullying todos os dias. “Não leva as pessoas a esse tipo de atitude.me parece que na história desse cidadão há uma quantidade de fatores que se juntam para levá-lo a esse tipo de ação”, afirma a psicóloga Luli Milman.

Os maus-tratos aconteceram aconteceu em 2001. Naquele ano, em 11 de setembro, o maior ataque terrorista de todos os tempos virou obsessão para Wellington.

Em depoimentos prestados à polícia, a irmã de criação e os dois filhos dela disseram que, depois do atentado às Torres Gêmeas, Wellington dizia que iria fazer o mesmo no Cristo Redentor e que era adepto de Bin Laden, o chefe do grupo terrorista responsável pelo atentado de Nova York.

Também em depoimento, o barbeiro de Wellington contou que, em uma conversa, o rapaz defendeu o terrorismo, dizendo: "às vezes, inocente morre mesmo".

Uma vizinha que conviveu intensamente com a família confirma essa obsessão: “Quando ele via um assunto de homem bomba, ele ria, ele se amarrava naquilo, ele tinha prazer de ver aquilo. ‘Ele está certo, isso aí que se faz mesmo.’ Ele ficava desse jeito”.

A única pessoa com quem Wellington mantinha algum contato era o filho de uma das irmãs adotivas. A conversa entre eles era sempre por e-mails. Por telefone, ele disse ao Fantástico que a família não levava a sério o que ele falava sobre terrorismo: “Para mim, era uma coisa de querer aparecer para ‘olha a opinião do cara, é diferente’. Para poder estar chamando mais atenção”.

“Então, ele encarna esses personagem que é veiculado hoje em dia que eles são o mal. E eles são a força que pode destruir inclusive as torres. No coração do humano, ele vai certo na vingança dele contra a vida. Matar uma criança é matar a vida em geral”, declara a psicóloga Luli Milman.

Wellington não conheceu a mãe biológica, que tinha problemas mentais. Ainda bebê, foi adotado por uma parente que já tinha cinco filhos adultos.

No sábado, uma das casas onde Wellington viveu, perto da escola, amanheceu vandalizada. Os parentes receberam ameaças de morte. Um dos irmãos adotivos não quer aparecer.

“Parece-me que, em uma ocasião na escola, houve uma avaliação de um psicólogo. Achou que ele estava um pouco desligado dali da escola e conversou com minha mãe. E minha mãe começou a levá-lo ao psicólogo, tratar dele. Mas, quando ele fez 17 anos, ele não quis mais ir ao psicólogo”, conta o irmão de Wellington.

A esquizofrenia se manifesta geralmente entre os 15 e os 30 anos, mas antes apresenta sintomas como a impossibilidade de se relacionar com outras pessoas.

Nas imagens da casa onde o assassino em série viveu nos últimos oito meses, muitos indícios da doença que poderia ter sido controlada com remédios. “A palavra esquizofrenia quer dizer isso: cisão e divisão da mente. É como se fossem duas pessoas estranhas convivendo no mesmo corpo”, explica o psiquiatra Talvane de Moraes.

A sujeira do ambiente contrasta com a organização de uma estranha rotina, pregada na parede em forma de agenda. Tudo foi registrado: o que comia e a que horas, a dieta à base de ovos, as cascas deixadas pela casa, os exercícios físicos que fazia.

Lá dentro, estava um recado para a polícia. Estava escrito em um papel: "precisei destruir alguns bens para proteger a integridade do meu fornecedor. Precisava ter certeza."

Não se sabe que fornecedor seria esse. Mas a mensagem do bilhete é clara: o assassino sabia o que estava fazendo. Tinha consciência das consequências e planejou até o último detalhe.

“Tudo que o Brasil inteiro está vivenciando, o sentimento de pena, de compaixão, de dor, de insatisfação com a morte das crianças que estavam na escola estudando, para ele isso não influenciou de jeito nenhum. Ele foi cumprir a missão que ele estabeleceu mentalmente pela doença e foi até o fim, inclusive com a ideia já que ia morrer”, aponta o psiquiatra Talvane de Moraes.

Em um mundo feito de obsessões, a morte da mãe adotiva, há um ano e meio, parece ter sido o último estopim. “A única pessoa que existia presente na vida dele para poder fazer o porto seguro dele era a minha mãe, porque era que estava mais perto dele. É quem ficava o ano inteiro, o mês inteiro. Todos os dias, ela estava do lado dele”, conta o irmão do assassino.

Ela ainda era viva quando Wellington conseguiu emprego em uma indústria de alimentos. Passou no psicotécnico e fez uma redação dizendo que dependia dos pais adotivos, já idosos. Começou na limpeza e foi promovido.

Durante mais de um ano, Wellington trabalhou no almoxarifado. Ele sentava na mesa e quase não conversava. A única interação que ele tinha com os colegas era quando alguém chegava para pedir uma peça. Ele recebia a requisição, ia para o almoxarifado, pegava a peça, entregava e voltava para a sua mesa, onde permanecia calado.

No refeitório, comia sozinho. Nunca participava das conversas e jogos. Quando a mãe dele morreu, a produtividade de Wellington caiu. “A empresa, vendo que não estava mais atendendo às suas necessidades, ia fazer o seu desligamento, mas ele mesmo por si só pediu sua demissão e foi embora”, lembra o gerente de produção Roosevelt Berto.

Saindo do emprego em agosto do ano passado, veio o rompimento definitivo com o mundo real. O futuro assassino deixou a barba crescer e se isolou em uma casa em Sepetiba, a 40 quilômetros do bairro da infância. No local, Wellington acumulava cd´s e dvd´s gravados.

“Ele se isolou muito na internet e possuía, inclusive, muitos contatos e muitos amigos na internet”, conta a delegada Helen Sardenberg.

No computador, jogos violentos, em que os heróis são criminosos, e filmes de terror. Ele vibrava com as cenas de morte. O irmão de Wellington lembra como ele falava: “’É isso aí, elimina mesmo! Tem que acabar com isso tudo mesmo. O negócio da gente é não dar mole’, ele falava assim”.

Para os especialistas, tudo aponta para uma conclusão. Wellington tinha uma doença mental grave que não era apenas uma questão de temperamento e também não foi provocada pela perseguição dos outros.

Existem muitas crianças que são tímidas e não são doentes e existem muitos doentes mentais e nem todo doente mental é violento. “O doente mental não é um criminoso em potencial, vamos deixar bem claro isso. Em uma criança tímida, existem os temperamentos, que são normais”, o psiquiatra Talvane de Moraes.

“O que é preciso ter atenção dentro de uma família não é a questão da timidez, de ser mais introversivo ou mais extroversivo, é a questão do isolamento”, declara a psicóloga Luli Milman.

Foi no isolamento que ele criou um mundo de delírios se criou um assassino. Foi no isolamento que ele criou um mundo de delírios em que pareceu acreditar que, de alguma forma, seria visto como herói, um mártir digno de pena. Entrou para a história como um assassino, o autor de um dos crimes mais bárbaros que o Brasil já testemunhou.

FANTÁSTICO


maria tereza cichelli

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