sábado, novembro 05, 2016

Somos culpados pelo extravio do tempo que não nos permitiu concluir nossas pendências da semana.


Temos culpa no cartório e não é pelo casamento apressado que fez o juiz de paz e depois deu errado.

Somos culpados pelas nossas metades não resolvidas, definidas, acertadas, assinadas.

Temos culpa por não conseguirmos bancar na prática as nossas ideias, mesmo que elas pareçam absurdas.

Somos culpados pela enorme hesitação em enxugar as lágrimas de quem não suporta sozinho suas dores.

Somos culpados pelo extravio do tempo que não nos permitiu concluir nossas pendências da semana.

Culpados por absorver a vida de forma mais estressada e não conceder perdão a nós mesmos pelos deslizes involuntários.

Culpados por não fazer a nossa narrativa, enquanto ocupamos o tempo torturando os sentimentos alheios, as dores dos outros, as angústias dos amigos e com isso nos distraímos com o véu que não nos pertence enquanto o nosso fica lá empoeirado de doenças que negamos existir.

Merecemos uma dose extra de culpa quando numa função amadora, assumimos um papel de conselheira na vida do outro sem que as nossas brechas tenham sido coladas.

Somos culpados por viver numa desconexão com a realidade, achando que tudo de mais grandioso está à nossa disposição sem observar as modalidades cruéis que ataca uma infinidade de outros viventes.

Somos culpados pelo descuido do uso excessivo das besteiras que ocasionam desafeto, enquanto o mundo padece por um abraço descompromissado.

Sim, seremos igualmente culpados porque nos vingamos da saudade tomando um porre, rasgando as cartas, esfriando os sentimentos, no lugar de matá-la com um pedido sincero de desculpas.

Somos culpados pelos fartos queixumes que preenche os dias, sem dar nenhuma trégua a atitudes de gratidão pela vida.

Culpados e merecedores de outras sugestões, que nos ajude a ouvir o outro que se cala por medo, de apreciar a música que toca sozinha, de ver o sol que derrama suas fagulhas de calor na terra carecendo da admiração desse espetáculo; de considerar o valor da água que gratuitamente abunda; de apreciar as flores que brotam mesmo sem o nosso consentimento.

Somos culpados por não amar, quando é preciso.

Ita Portugal