O risco implícito em todo o grande amor é o de abafar a polifonia da existência.
Polifonia é termo que nasce de um conjunto de coisas completas e não diminuídas.
Não é filha de subtrações mas de adições.
E é o oposto da monotonia, que é viver em um só tom, um só amor, numa só rotina.
Buscarmos incessantemente a música variada dos dias e as muitas dimensões que se nos oferecem a cada oportunidade é um caminho de alegria e cumprimento pessoal que não é negado por nenhuma forma amorosa que aceitemos abraçar.
Quero dizer que Deus e a sua eternidade desejam ser amados do fundo do coração, mas sem que o amor terreno seja prejudicado ou debilitado; algo como um cantus firmus, em relação ao qual as outras vozes da vida formam o contraponto.
O homem é capaz de amar ilimitadamente - tão amplamente e variadamente que nem mesmo Deus é capaz de cobrir todas estas modulações.
O amor de Deus não responde a todas as dimensões do coração do homem.
Existe uma extensão das capacidades amorosas do homem, para a qual Deus não pretende ser o epílogo único.
"Amarás a Deus sobre todas as coisas" não significa: ama somente Deus, reservando todo o teu coração para ele, mas: ama-o com totalidade, sem meias medidas.
Assim, devemos, de igual modo, amar: com todo o coração, sem reservas.
A totalidade do coração não significa a exclusividade.
Não é através da diminuição do humano que em nós cresce o divino.
A verdade consiste justamente no contrário: mais humanidade equivale a mais divindade.
Não existe, pois, contradição ou rivalidade entre amor humano e amor a Deus.
Na próxima vez que vires um fiel à porta da igreja, não o olhe com um olhar superficial ou distraído, mas como um ser que vive uma grande história de amor - a história de um coração de carne a que
Deus fez uma proposta impossível.
Ermes Ronchi,