Amizade é coisa simples: Alguém pensa em você mesmo quando você não pede tampouco precisa. E quando precisa não pede porque faz parte do outro, a ponto dele sentir, pressentir.
domingo, dezembro 15, 2013
O silêncio infinito
O velho sentado perto dele no banco da praça o viu escrevendo no bloco e perguntou se era poesia. Era um velho mirrado e cinzento, da cor do paletó surrado que usava. Parecia um passarinho molhado, mas os olhos eram vivos. Por educação, respondeu que não, não era poesia. Era só uma carta.
Ia acrescentar que era uma carta de despedida, de adeus, mas calou-se. Doía demais.
– Ah, eu já fui poeta. Há muito, muito tempo – disse o velho.
Ele depôs a caneta sobre o bloco em seu colo, a irritação dando lugar a uma espécie de alívio divertido. Bem que precisava de distração.
– E por que não é mais?
Aquela pergunta simples deixou o velhote pensativo por tanto tempo que ele já se preparava para voltar a escrever, julgando seu interlocutor desinteressado da conversa, talvez maluco. Provavelmente maluco. Mas de repente o outro disse:
– Uma vez eu vi num filme a história de um fotógrafo que todo dia, assim que acordava, abria a janela e fazia uma foto. A mesma paisagem, com chuva ou com sol, no mesmo horário, dia após dia. E cada dia a foto era diferente. A luz, a textura, as variações eram infinitas. Você viu esse filme?
– Acho que não.
– Ah, invejo você. Se eu não tivesse visto, talvez ainda fosse poeta. Estaria aqui escrevendo versos em vez de encher a sua paciência.
– Imagine, não está enchendo nada.
O velho deu um risinho seco.
– Depois que vi aquele filme maldito, comecei a abrir a janela todo dia ao acordar e escrever: “Manhã”. E todo dia a palavra era igual. Manhã, sempre manhã, nada além de manhã. Um tédio danado. Você entende?
Maluco, claro. Ele olhou para a carta recém-começada em seu colo e pensou na mulher que devia ser sua para sempre e que agora, para sempre, jamais seria.
– Acho que não entendo – respondeu, sem saber direito o que dizia. – Para que a manhã fosse sempre diferente, seria preciso acrescentar outras palavras. Cada dia um adjetivo, um monte de adjetivos.
– Exatamente! – o velho gritou. – Você entende! Cada dia um adjetivo, milhares deles, até esgotar o dicionário. Até que um dia, sem mais palavras, eu caísse no silêncio, que é a única coisa tão infinita quanto as variações da manhã. Então eu pensei: por que não queimar etapas e cair no silêncio logo de uma vez? Foi assim. Nunca mais escrevi.
Dizendo isso, levantou-se do banco e saiu andando sem se despedir, só ele e sua sombra, pelo caminho de pedra entre os canteiros.
Postado por
mariatereza cichelli
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