quarta-feira, outubro 10, 2012

“Fui criada para casar”

Bom Dia,

O texto é longo, mas deixe de preguiça e leia junto comigo....

Vamos ler?


“Fui criada para casar” 


Estes dias, recebi uma carta de uma amiga, na verdade, um convite público à reflexão. Gisele fala sobre o quanto a própria criação determinou suas expectativas em relação ao casamento. Além de escrever lindamente, Gisele tem a lucidez de quem encara a própria experiência como um avanço necessário para a criação dos três filhos. Depois de ler a carta da Gi, fiquei pensando quantas de nós fomos criadas para casar.

E mais, que crença e valores repassamos, sem querer, aos nossos filhos. Gisele resolveu dividir com a gente essas emoções. Sorte nossa. Vou deixá-la falar.

“Fui criada pra casar. Virgem. Formada. Encaminhada. Fui criada pra agradar. O pai. A mãe. O professor. O marido. Na infância, a escola e a música me salvaram de uma vida mais monótona. A primeira me ensinou a pensar de uma maneira especial. A segunda me mostrou que o coração também fala.

Fui criada com muito amor. Mãe e pai presentes. Casa arrumada. Família. Igreja. Fui criada pra casar e pra agradar o outro. E agradei vários. A madrinha, a professora, a mãe da amiga, o vizinho idoso, o vendedor de cuzcuz na praia. Educada, cordata, menina humana, bom coração e boa gente, diziam.

Casei uma vez. Casei duas vezes. Homens maravilhosos, que me deram três presentes preciosos. A missão deles: a impossível. Completar aquela mulher criada pra casar. E a minha, a mais impossível de todas: agradá-los, agradá-los, agradá-los. Nesse universo intangível de expectativas, só um milagre deixaria todos satisfeitos por uma vida inteira.

Fui feliz com as metades que encontrei na vida (não é assim que dizem, “cara-metade”?). Pelo tempo que foi possível. Esse negócio de dizer que casamento não deu certo é autocomiseração. Sempre dá certo, sim. Pelo tempo que dura. Entramos de um jeito e saímos de outro. Sempre melhores que antes. Mais maduros, mais experientes, mais interessantes. E ainda levamos um pedaço do outro com a gente mesmo que esse outro nunca mais queira olhar na nossa cara. Uma doação irreversível que nos fazem. E, mesmo que não queira, o outro também leva um pedaço da gente. Inevitável.

Mas aprendi uma coisa. Não vou criar filhos pra casar. Aprendi que a minha outra metade sou eu. Que, se não estiver inteira, não posso dividir a minha vida com ninguém. Aprendi que, depois que essa história de buscar a metade resultou mesmo foi no milagre da multiplicação (três pessoinhas), a minha missão agora é hercúlea. Preciso ajudar meus filhos a ser inteiros. Dou-lhes casa, estudo, amor incondicional e a família que posso dar. Erro, choro, quebro a cara, me desespero. Mas preciso estar inteira pra eles. É o exemplo que desejo dar. Quero que sejam capazes de se conhecer, de saber do que gostam e de se amar. Quero que sejam inteiros para dividir o tempo, o sol, a brisa, a vida. Nunca eles mesmos.

Nessa missão de estar inteira para eles e para mim, daqui pra frente ninguém mais me parte no meio ou em pedacinhos. E isso não é arrogância. Ainda vou chorar muito de amor. Pelo não correspondido, pelo que acabou, pelo que nem começou. Mas o maior presente de me aproximar dos 40 anos é ter a liberdade de amar sem expectativa. Aprendi que se me dou sem esperar volta sou muito mais feliz. Aprendi que gosto mesmo é quando gostam de mim porque sou inteira. Por uma noite, por um mês, por um ano. Apaixono-me loucamente pelo colega de trabalho, pelo cantor de ópera, pelo pianista do bar, pelo professor da pós-graduação. Amores possíveis e impossíveis. Enquanto me sentir plena, integral e estiverem gostando, está valendo. Se perceber que preciso abandonar alguma parte de mim no caminho para continuarem gostando, desisto. Enquanto eu permaneço inteira, o que recebo do outro é lucro. Se me parto em pedaços, aí já viu…

Aprendi que não preciso precisar do outro. E essa lição foi dura. Tenho que refazê-la a cada dia, é verdade. Afinal, não sou aluna nota dez, como me disseram na infância. Mas o enunciado da prova está colado na parede do meu quarto: seja inteira, seja inteira, seja inteira. Voltei a tocar flauta e retomei os estudos. Sou mais feliz com a música e quando tenho livros por perto. Viagens 0800 das mais prazerosas. Quero que meus filhos se orgulhem de mim. Espero poder vê-los felizes, inteiros e capazes de fazer o outro feliz enquanto isso for possível. Sim, fui criada pra casar. Mas não crio filhos pra casar.

Gisele Rodrigues”

    Isabel Clemente é editora de ÉPOCA no Rio de Janeiro.


maria tereza cichelli

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