terça-feira, outubro 09, 2012

Como ler gente


Vamos combinar: ninguém diz só o que diz. Além das palavras ditas, mandamos várias outras mensagens. Tem quem olhe para os lados ou para baixo. Quem dobre os ombros para frente, ria ao contar algo triste ou belisque aquela pele enrugada em cima dos dedos, quando não pode mais roer o canto das unhas sem sangrar.

 Claro, também há os sinais bons. Gestos e sorriso largos, por exemplo. (Sempre confie em mulheres que fazem gestos acima da cabeça. Por mais exagerado que pareça.) Um autor que gosto muito dizia: a linguagem é um sistema de valores, não de fatos. Em outras palavras, sempre há um significado além do que está na cara, é literal. O mesmo vale para as pessoas, que são um pouco como os textos.

Duas semanas atrás, por exemplo, eu fui à casa de um jovem autor carioca para entrevistá-lo. Um apartamento bonito, com os móveis cobertos de pelos de gato. Por dever profissional, faço força para prestar atenção não só ao que a pessoa fala, mas também ao que ela não fala.

Porque todo mundo mente – até para si mesmo. No caso daquele autor, eu saí intrigado. Ele era inteligente, articulado, erudito para a pouca idade. Mas não tinha muitas ambiguidades ou entrelinhas. Só dizia o que queria e ponto, sem espaço para ser interpretado.

Tentei entender.
Na conversa, ele disse ter sido um adolescente fechado, que nunca se sentia parte de um grupo. Sofreu por isso na juventude, mas superou. Notei que ele falava um texto sem pontas soltas, onde cada palavra era exata, só dizia o que estava no dicionário. Nada de ambiguidades, gestos ou silêncios significativos.

Meu palpite, enquanto voltava no elevador: esse cara parecia extrovertido, mas ainda tinha algo do adolescente reservado. Ele podia parecer simpático, mas se fechava no jeito de falar, protegido pelo seu texto. Um colete de palavras precisas.

Outra coisa: quando se diz que, em namoro, casamento ou amizade, as pessoas falam a mesma língua, o negócio é sério. Qualquer um que já esteve em uma relação sabe como é.

Falamos sem precisar explicar, teorizar, resumir. Outras vezes basta um silêncio, nem precisa chegar a um enunciado. É como se tivéssemos estudado o dicionário uns dos outros. Estão sempre dispensados os glossários e notas de rodapé. Nada é pior que nota de rodapé. Como diz um amigo, ler uma dessas é como estar transando no 20º andar e ter que descer para atender a campainha no térreo. Melhor não.

Como eu disse, acho que as pessoas são meio como os textos, cada uma atrás dos seus leitores. Tem gente que é ambígua, ri quando está sofrendo. Ou os sujeitos elípticos, cheios de espaços vazios, que só os alfabetizados naquele idioma podem preencher.

Outros são metafóricos: o que eles falam representa outra coisa, que está escondida. Tem os de sintaxe confusa, que nem eles se entendem, e os claros, escritos na ordem direta: sujeito, verbo e predicado. Os excêntricos gostam de parecer um livro aberto; mas que foi escrito em uma língua morta. Há quanto mais tempo melhor.

Quem disse que ler era sempre fácil?


Maurício Meireles - ÉPOCA

maria tereza cichelli

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