quinta-feira, maio 07, 2015

A vantagem de ser antipático


Crescemos com a noção de que algumas palavras são bonitas, outras feias. Algumas qualidades desejáveis, outras não. Sempre me orgulhei de ter o sorriso fácil, de fazer amigos com facilidade. Hoje eu me libertei das amarras dos adjetivos. Aceito ser chamado de antipático, numa boa. Até gosto. Antes imaginava que quem chegou lá tem de fazer uma espécie de justiça social. Ou seja, ajudar quem não tem, seja na carreira, seja com a grana.

Só que não é bem assim, em todas as profissões. Eu tenho um amigo, médico dermatologista. Se entra numa festa, sempre há alguém que se dependura. Mostra a pele.

– Que creme devo usar?

– Ah, estou com os pés tão secos! Deixa eu tirar o sapato para mostrar.

Pobres médicos, são chamados para consultas até dentro do metrô! É óbvio, os médicos adquirem uma autodefesa. Dão cartões e dizem que é melhor marcarem uma consulta. Paga. Da mesma forma, designs de interiores sofrem:

– Você acha que eu devia pintar a parede de verde?

Escritores, vocês não imaginam. Não vou a festas de sobrinhos, fujo de ocasiões sociais. Há dois tipos de pessoa que se aproximam. Uma, quer saber fofocas dos bastidores.

– É verdade que fulana separou de fulano porque está de caso com sicrano?

Justo para mim, que trabalho em casa e estou a quilômetros de distância de um set de gravação. Como vou saber? Outras, atiram-se sobre uma possível oportunidade no mundo da TV.

– Sabe, meu sonho é fazer o BBB.

Quando eu digo que não tenho nada a ver com a escolha dos BBBs, e que a Globo é uma empresa enorme, onde as produções são separadas, me encaram com desconfiança. Eu sei exatamente o que está na cabeça de quem pergunta: “Ele está mentindo, se quisesse me punha lá dentro”. Pois o brasileiro é assim, acha que sempre há um jeitinho. A avalanche de pedidos vem pela internet, na vida social, dos amigos dos amigos. Eu citei os médicos, primeiramente, porque a saúde é um item fundamental para as pessoas. Descobri que a fama também, para quem a deseja. Pedem:

– Eu só quero a oportunidade de fazer um teste.

Como explicar que a televisão não é uma instituição sempre aberta para testes? Que estes são feitos em função de personagens de cada novela, contando com tipo físico, idade? E que às vezes nem isso, porque já existe um elenco conhecido? Testes são um investimento financeiro, onde se gasta com luz, estúdio, hora dos profissionais. Ocorrem em função de um trabalho. Causo ódio quando digo que não há possibilidade. E peço para procurarem o Departamento Artístico. O ódio aumenta quando não dou os e-mails do Departamento. Bem, uma vez dei, ingenuamente, de uma produtora de elenco. A internet da Globo ficou congestionada. Caiu o sistema. Pediram-me para não repetir a façanha.

Há quem me deseja apresentar uma sinopse. Da minha parte, acho indelicado o pedido. Não sou diretor da emissora. Sou um escritor, tenho minhas próprias ideias. Sei que a pessoa não tem má intenção. Só que me recuso a ler ou ouvir. Por um motivo: as estruturas narrativas se repetem. Há teses segundo as quais não existem mais que 20 e poucas tramas no imaginário humano, que se entrelaçam infinitamente. Mais que isso, grandes autores fazem também releituras de clássicos do passado e de mitos. Alguém que não está imerso na profissão tem o que supõe ser uma ideia única: dois irmãos que amam a mesma mulher, por exemplo. Se eu leio a sinopse e daqui a alguns anos escrevo algo com um tema parecido, vão achar que roubei. Aprendi a dizer não: jamais estabeleço contatos profissionais pela internet. Ou dou endereços. Fujo de festas e ocasiões sociais onde sou abordado por alguém que tem uma filhinha de 6 anos com muito talento, atores e atrizes em busca de testes, futuros escritores que desfiam histórias no meu ouvido e até, pasmem, senhoras de mais de 70 anos que ainda sonham com uma oportunidade de aparecer na TV. Quando não tem jeito, respondo:

– Agora não é o momento para falar disso.

Sorrio e me afasto.

Pronto, sou antipático! Mas descobri que é ótimo saber dizer não. Vale para mim, vale para todo mundo.
A crise trouxe uma leva de amigos pedindo dinheiro emprestado. É a velha questão da justiça social: “Ele tem, eu não, portanto ele empresta, eu não pago”. Depois de vários calotes, resolvi não emprestar mais, por regra. A cada ano fica mais fácil dizer não. Mas também diminuem os amigos. Em compensação, os que sobram são os verdadeiros.

WALCYR CARRASCO

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